Querido Pai
Quero dizer-te tanta coisa
Coisas que não te disse
Coisas que não entendi que sentia
Faz-me falta a tua paciência
o teu despreendimento
a tua gargalhada
os teus jogos de mãos calejadas de vida dura
a tua gargalhada apaziguadora
Mas sabes pai
Hoje é também o meu dia
A tua neta
pintou-me uma camisola
– eu sei que hoje dizemos que é uma t-shirt-
Tem os riscos e rabiscos do seu saber
mas acima de tudo tem nas cores e nas curvas
a suavidade do amor
Não me lembro das prendas que te dei
neste dia
há muitos anos
Sei que nos últimos tempos
não sabia o que te dar
Talvez se pudessemos regressar
te desse
um pedaço de madeira
que com as minhas mãos
habituadas a outras coisas
me esforça-se para esculpir o teu nome.
Talvez.
Sabes?
Guardo comigo a pedra
que o teu neto pintou
há tanto tempo
para o pai que tinha partido
O mundo e o tempo
continuaram
e este pai regressou
reencontrou-se consigo mesmo
e com o seu filho
A tua neta sabe que partistes
e hoje
fez a ponte daquilo que eu sou
porque tu me ensinaste
com poucas palavras
a ser
Hoje
quando a tua neta
me ofereçeu
a sua prenda
fomos os dois que a recebemos
Tenho tantas saudades, Pai
Comoveu-me ver a foto do teu pai, tem um ar tão sereno nem parece deste mundo.
Vou continuar por aqui a visitar a tua “alma”.
E bom saber que aplicas bem o teu tempo, caminhas para um conhecimento interior mais profundo, um dia destes ainda dou contigo na explanada, com a expressão serena do teu pai.
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